Jair Bolsonaro, os ex-comandantes e o golpe

Imagem: Emil Zimmermann
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Por MARCELO AITH*

Diante da robustez probatória somente uma anistia livrará Bolsonaro da prisão

No último dia 15 de março, a imprensa e o grande público tiveram acesso aos depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica do período do governo Bolsonaro. As oitivas, em breve síntese, corroboram a delação do ex-ajudante de ordens, Coronel Mauro Cid, e fortalecem a tese de que Jair Bolsonaro estava a orquestrar a deflagração de um golpe de estado. 

Por óbvio que os depoimentos, isoladamente analisados, não convergem de forma peremptória e automática para a configuração dos crimes previstos nos artigos 359-L e 359-M, ambos do Código Penal.

No entanto, cotejando-os aos demais elementos de informação coligidos durante as investigações, inclusive a minuta “do golpe”, somados as inúmeras falas do ex-presidente durante todo seu governo, bem como as declarações proferidas na famigerada reunião ministerial de junho de 2022, episódio que somente veio a tona com a prisão do Coronel Mauro Cid, não deixam dúvidas da sua intenção golpista.

Também não deixa dúvida que o comportamento histriônico de Bolsonaro, em especial com as falsas afirmações de fraude eleitoral, e a equivocada associação da vitória da oposição com a assunção do comunismo ao poder no Brasil, impondo pânico na população, em especial aos apoiadores ligados as igrejas evangélicas, contribuíram para a eclosão das manifestações país adentro, culminando com a manifestação de 8 de janeiro de 2023 – a criminosa invasão da sede dos Três Poderes em Brasília. 

Entretanto, para se verificar a responsabilidade ou não do ex-governante em relação aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, bem como a adequação da imputação a ele dos crimes de “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e de “Golpe de Estado”, previstos, respectivamente, nos artigos 359-L e 359-M ambos do Código Penal, temos que enfrentar as seguintes questões:

Bolsonaro ao instigar o comportamento golpista de seus apoiadores, quer ativa, quer passivamente (por omissão), aderiu às consequências dos atos por eles praticados? O ex-presidente ao apresentar a minuta do “golpe” aos comandantes das forças armadas deu início a fase executória do iter criminis dos tipos incriminadores previstos nos artigos 359-L e 359-M?

O artigo 359-L descreve, em abstrato, a seguinte conduta como típica: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Não há dúvida que os invasores dos três poderes tinham a intenção de abolir o Estado Democrático de Direito, mediante a obstrução do exercício dos poderes. Ademais, somente agiram dessa forma por conta da instigação constante feita por Bolsonaro e sua equipe.

Ja o artigo 359-M descreve a conduta de “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. O principal objetivo dos invasores, instigados por Bolsonaro, era depor o governo eleito, mediante a criação de uma desordem institucional que demandasse a necessidade da decretação de estado de sítio ou algum instrumento semelhante. 

Não há como afastar o ex presidente do epicentro da deflagração do movimento golpista de 8 de janeiro de 2023, mesmo que ele não tenha anuído expressamente com tais fatos, explica-se.

Para além dos critérios doutrinários para a definição de instigação criminalmente adequada, cuja brevidade desse artigo não admite maiores incursões analíticas, há que ser analisada a capacidade do ex-presidente instigar seus seguidores a cometerem o crime. 

O poder de persuasão de Bolsonaro em relação aos seus apoiadores é inquestionável. Com efeito, a capacidade dele de influenciar causalmente na ação criminosa dos invasores dos Três Poderes é inequívoca. Tal fato pode ser comprovado revisitando alguns momentos dos quatro anos de seu governo, como nas enormes motociatas durante o período pandêmico e outras grandes manifestações (7 de setembro), são mais do que suficientes para demonstrar que detinha em suas mãos uma enorme plêiade de apoiadores, ávidos por seguir seu mestre, preparados para fazer o que ele determinasse direta ou indiretamente. Não se pode olvidar, que o silêncio sepulcral de Bolsonaro após as eleições serviu de apito para os cães atacarem, como aconteceu na tentativa de invasão ao prédio da Polícia Federal em dezembro de 2022 e, principalmente, no 8 de janeiro de 2023. Dessa forma, não há como deixar de reconhecer que o comportamento de Bolsonaro, durante e após as eleições, foi determinante para a tentativa de golpe. Mas, essa instigação tem o condão de gerar responsabilidade penal para Bolsonaro?

Pois bem. 

Bolsonaro fez uma verdadeira exortação ao golpe, quer nas falas aleatórias para sua claque no cercadinho, quer nas “lives” semanais, quer ainda no silêncio após derrota nas urnas, o que instigou e foi determinante para convencer as pessoas a cometerem os crimes no dia 8 de janeiro de 2023. Ele deu uma verdadeira ordem da ação aos seus liderados, que fielmente cumpriram o seu comando. Sem o comportamento de Bolsonaro não teria havido o trágico desfecho em Brasília, com a destruição das três casas dos Poderes da República. Ou seja, extraindo-se Bolsonaro da cadeia fática não teria ocorrido as invasões aos prédios governamentais. Portanto, a instigação do ex-presidente foi uma conditio sine qua non para o desfecho criminoso.

Agora deitando olhares para os “reveladores”(entre aspas porque revelou o que todos sabíamos) depoimentos dos comandantes das forças armadas do Brasil, além de evidenciarem que estivemos a beira de um golpe armado de estado, com possível derramamento de sangue inocente, baseado em mentiras espalhadas inconsequentemente pelo ex-presidente e sua claque, retira Bolsonaro da condição de partícipe, pela instigação, dos crimes do dia 8 de janeiro de 2023, colocando-o como autor dos crimes de “tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito” e de “golpe de estado”. 

Ambas as figuras típicas são tentadas, mesmo porque se exigisse efetiva consumação já estaríamos diante de um novo estado, porém autoritário. Outrossim, a fase executiva da ação delitiva já teve início com a elaboração da minuta do golpe, bem como com a distribuição das tarefas entres os grupos de apoiadores. Já ultrapassou a fase preparatória. 

Destarte, como não se exige a efetiva consumação, a anuência dos comandantes das Forças Armadas configuraria mero reforço argumentativo para o golpe. Com ou sem a anuência, a tentativa de golpe ocorreria, como de fato ocorreu, sendo desbaratada pela conduta firme e correta das forças de segurança do Distrito Federal e do ministro Alexandre de Morais. Do contrário estaríamos diante de um Estado de exceção, mesmo sem a concordância dos comandantes do Exército e da Aeronáutica. 

A estratégia defensiva da equipe de advogados do ex-presidente é louvável, mas diante da robustez probatória somente uma anistia livrará Bolsonaro da prisão.

*Marcelo Aith é advogado criminalista com mestrado em direito penal pela PUC-SP.


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